Pra ser bom é preciso sentir raiva da mediocridade
Salvador, 21 de fevereiro de 2021. Faltam quatro pontos de ônibus para a parada do personagem, cada segundo é uma eternidade. O suor gélido escorre pelo rosto pálido, as pernas se contorcem como uma abraçadeira plástica. Cada parada, cada apanha, se torna uma surra no semblante combalido do personagem. As mãos procuram a calça para secar o suor, as pernas, por sua vez, não param de balançar com movimentos que denunciam um passageiro da agonia.
Faltam dois pontos, cada giro do ponteiro maltrata o personagem. O tempo joga contra. Nesse momento, os roncos do borborigno já podem ser percebidos pela senhora que está sentada na janela. ‘’Você está bem?’’, pergunta com ternura. ‘’Estou, é apenas um mal estar’’, responde o personagem. Quer enganar quem? Está público e notório que ali naquela matéria mora um espírito ansioso.
Última parada, a técnica da respiração diafragmática já foi utilizada. O arco da agonia já se aproxima do fim. O personagem, com muita dificuldade, levanta-se. Puxa a corda para pedir o ponto, aproxima-se da porta. Com passinhos econômicos, perninhas fechadas. Ainda faltam 300 metros para o ponto e mais 500 metros para o destino. Ele busca imaginar coisas positivas, pois a agonia ainda não acabou. Chegou o ponto, ele desce. Respira fundo. Dúvida. Vai andando ou chama um moto-táxi? Ele é canguinha, vai andando.
Finge que tá tudo bem, cumprimenta todo mundo. Dá boa noite as tias evangélicas a caminho do culto. Dá uma alugada no coroa do bar. Anda mais lento que o normal. Puro disfarce. Chegou à porta, esse é o momento decisivo. Achar a chave no molho é um golpe. Entrou, agora é a hora de correr. A cada passada, uma peça de roupa fica pelo caminho. Abriu a velha porta de PVC sanfonada. Sentou. Esse momento é o ápice. Alívio. Finalmente ele pode conversar com bocão, passar um telegrama pra b********, cortar o rabo do macaco, etc. Aquela agonia era dor de barriga.
Essa história pode ser contada de diversas formas por praticamente cada um dos 200 e tantos milhões de habitantes do Brasil. Quem nunca sentiu esse alívio, tá vivendo errado. É uma das sensações mais revigorantes do corpo humano. Metaforicamente, o Bahia passou por isso no fim de semana. Numa trajetória com eliminações, perdas de clássicos, freguesia para o Ceará, mostrada de esquimba para o VAR, ‘’foda-se irmão…tô no meu momento.’’, descumpridas no protocolo feitas pelo mesmo jogador para fazer reg, três técnicos, uma acusação de racismo que não foi comprovada, uma eleição, um presidente desaparecido, um título sem graça, um planejamento frustrado pela pandemia, só faltava cair para completar a trajetória da merda. Felizmente, deu tempo de chegar.
Agora vale ressaltar: em um campeonato normal, onde precisasse de 45 pontos para não ser rebaixado, o Bahia iria pra segundona com rodadas de antecedência. Felizmente, a dor de barriga metafórica veio na temporada onde outras agremiações não tiveram a mesma sorte de ‘chegar em casa’. De repente, faltavam 6 pontos de ônibus para o Vasco, 8 pro Goiás e deu tudo errado antes mesmo de descer do buzu.
Respiro de alívio dado, é hora de repensar. Filipe Ret afirma em sua música ‘Neurótico de Guerra’ que ‘’pra ser bom é preciso sentir raiva da mediocridade’’. Chegou a hora do Bahia parar de ser grato a alguns atletas. E outros deveriam, simplesmente, serem desligados sem maior alarde. Urge uma reformulação no elenco tricolor. É preciso soltar a mão da mediocridade e dar-lhe um bico pra longe. Quem virá para ocupar o lugar, é outra história. Hoje no Bahia dispensar é o mais importante.
São três anos acumulando fracassos. Se gabando, com um sorriso amarelo, de ganhar um título que já não significa mais nada para o clube. É mais fácil dizer quem merece ficar no Bahia do que quem deveria sair, a lista é bem menor. Em um time campeão, somente Gilberto, Gregore e Indio Ramirez conseguiriam jogar. Em um elenco campeão, a lista pode aumentar para os combativos Nino Paraíba, Ernando e Rossi, para o chinelinho, porém, talentoso Rodriguinho, que foi a chave que abriu o cadeado fictício que proporcionou o encontro ao paraíso, para o ‘perninha do c%$4!’ que se chama Daniel que só precisa tirar essa marrinha boba para ser um grande jogador e, sendo muito benevolente, com algumas outras peças que poderiam agregar no banco como Douglas e Ramon. Atletas da base como Patrick, Marcelo Ryan, Luiz Phellipe e Thiago não entram em análise, são joias do clube que devem ser tratados com carinho e paciência.
O restante vai, faz a fila e sai um de cada vez. Sem amor. É preciso quebrar a corrente que nos prende a tristeza. Atletas com história na casa como Lucas Fonseca merecem um carinho especial na despedida. Uma promessa de um cargo no clube ao final da carreira. Outros, o protocolo padrão. E tem um seleto grupo, encabeçado por Clayson, Juninho e Juninho Capixaba que mereciam ser demitidos por email, para nem sequer pisar mais nas dependências do clube. O fato é que precisamos de uma intensa reformulação para tirar o ranço e o futum de fracasso.
É lógico que eu sei que a mudança não acontecerá dessa forma, sobretudo em tempos de pandemia. Se saírem 5 desses reprovados, já ficarei muito surpreso. Mas, vale a pena deixar o registro, pra depois não dizer que não avisei. Se o Bahia quiser aproveitar seu potencial, é necessário amar a mudança. É necessário sentir raiva da mediocridade. Ciclos foram feitos para serem encerrados e já deu para a maioria dos jogadores do elenco tricolor. Eu sei que alguns têm contrato longo e teriam mais dificuldade para demissão, mas, nada que um acordo amigável, com uma propostinha marota do Japão para facilitar a saída, não resolva. Dor de barriga não dá só uma vez e, esse elenco, já mostrou que, juntos, com suas pedras bêbas todas a disposição, é como se fosse um acarajé dormido abafado numa vasilha e fora da geladeira. É a medida certa pra tragédia acontecer.